Arquivo para download: Clínica, indeterminação e biopoder, por Auterives Maciel

Quem melhor pensou a subjetividade como intervalo de tempo foi Henri Bergson. Em Matéria e memória, livro em que esse autor se aprofunda nas teses acerca da subjetividade, o ser vivo é descrito, em seu aspecto material, como um transmissor de movimento.

Ora, toda escolha, toda hesitação, supõe tempo. Há, portanto, um intervalo de tempo situado entre a recepção do movimento e a resposta motriz. Esse intervalo será apresentado como subjetividade, ou seja, a subjetividade é, em um primeiro aspecto, intervalo de movimento entre percepção e ação. Ela está situada entre o estímulo recebido pelos órgãos sensoriais e a resposta motriz deflagrada pelos órgãos motores.

Nesse intervalo de movimento, Bergson situará a consciência, apresentando- a como um órgão de seleção de estímulos e escolhas de ações. Dará à consciência, portanto, o papel de presidir ações, cuidando assim dos interesses práticos do corpo agente. Ocorre que, em Bergson, a consciência é tratada em seu aspecto temporal, pois o intervalo de movimento é preenchido por um tempo que dura, um devir durável, uma duração heterogênea que consiste no prolongamento do passado no presente ou, o que dá no mesmo, na coexistência de um passado com um presente que passa. Sendo assim, o intervalo que consiste entre a percepção e a ação pode ser apreciado como momento da indeterminação. É nele que hesitamos, escolhemos, gestamos nossas escolhas com a totalidade de nosso passado. Nele também assistimos à gestação de um novo desejo, como também à emergência das nossas livres decisões. Nele, enfim, intuímos a atividade da criação quando, na pausa indispensável que exige o pensar, vemos emergir, com ritmo próprio, uma idéia nova, uma idéia tempo que será desenvolvida em uma atividade criativa.

Mas todas essas atividades do espírito, para nascer, exigem pausa, suspensão momentânea de nossos interesses práticos. Pois é fato que, enquanto centro de ações, o vivo é também um ser interesseiro, deve agir no mundo para garantir a sua sobrevivência, atendendo às exigências do primado do viver. Só que, para o referido autor, viver é não só sobreviver, mas também criar possibilidades de vida, participando ativamente do que permeia a natureza vista no seu aspecto temporal. Em Bergson, tempo é criação, alteração, mudança, gestação do novo a partir do presente. E a exploração do tempo que é a nossa subjetividade supõe, para existir, experimentações sensoriais que nos retirem do âmbito dos hábitos consolidados pelos interesses práticos, que condicionam automatismos puramente interesseiros e comprometidos com uma inteligência viciada em representações que são verdadeiros clichês – circuitos já trilhados a serviço da recognição da realidade.

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