Na Web: A morte de Deleuze em novembro de 1995. Afirmação num lance final, por Luiz B. L. Orlandi

E quando um corpo orgânico aproxima-se do terrível quando em que ele já não poderá abrir lugares minimamente potentes para aconchegar e reverberar uma vibração de vida digna de ser vivida? Sócrates, condenado a beber a cicuta, talvez tenha podido vivenciar alguma afirmação num último instante de recolhimento. A um corpo na iminência de sua desorganização é ainda negada a eutanásia, é ainda negado o direito a uma morte serena. Deleuze riria dessa observação, pois ele, de fato, não tinha tempo para esperar uma tal legalização, além do que, de direito, sua filosofia é a menos propensa a fazer uma linha de fuga depender diretamente de um amparo legal. [...] Com efeito, esse corpo debilitado ganhou ainda forças que o fizeram participar da afirmação de uma imanência que o transcende. Ele foi levado a afirmar a intensidade de um corpo-sem-órgãos vibrando em sua dança final, em seu último relance, em sua viagem definitiva, em seu irrepetível êxtase. Deleuze afirmou o último universo de intensidades em cujos fluxos ele pode ainda viver; afirmou, portanto, o último corpo-sem-órgãos que ele foi ainda capaz de criar para si. [...] Ao longo de sua obra, Deleuze substituiu a noção para-freudiana de instinto de morte pelo conceito esquizoanalítico de corpo sem órgãos, obedecendo a um movimento conceitual favorável à expansão de vida não fascista. Mas quando a vida do corpo orgânico tornou-se ela própria tão incapaz, uma velha tarefa ganha toda sua urgência: a tarefa de 'conceber a morte'. O 'Corpo sem órgãos', o derradeiro corpo-sem-órgãos 'já está a caminho', diz ele, 'desde que o corpo se cansou dos órgãos e quer licenciá-los', ou desde que 'os perde'. Para afirmar seu último corpo-sem-órgãos, Deleuze uniu, agenciou as restantes forças de seu corpo orgânico à força da gravidade, esta velha conhecida força-do-fora.


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